quinta-feira, 3 de abril de 2014

CANTO NONO

 
Tonino Guerra




CANTO NONO



Terá chovido durante cem dias e a água infiltrada

pelas raízes das ervas

chegou à biblioteca banhando as palavras santas

guardadas no convento.



Quando tornou o bom tempo,

Sajat-Novà o frade mais jovem

levou os livros todos por uma escada até ao telhado

e abriu-os ao sol para que o ar quente

enxugasse o papel molhado.



Um mês de boa estação passou

e o frade de joelhos no claustro

esperava dos livros um sinal de vida.

Uma manhã finalmente as páginas começaram

a ondular ligeiras no sopro do vento

parecia que tinha chegado um enxame aos telhados

e ele chorava porque os livros falavam.



in O Mel Assírio e Alvim, 2004 (tradução de Mário Rui de Oliveira)

http://ecosdooficio.blogspot.com.br

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